28.11.11

Médicos receitam remédios
de que sabem pouco,
para doenças de que
sabem ainda menos,
a pessoas de quem
não sabem nada.
Voltaire

Poesia e Diabetes

Houve quem estranhasse: porque um livro para diabéticos? Publicamos poemas, máximas e textos com humor e crítica social: o que isso tem a ver com uma condição médica? Seria apenas uma experiência pessoal, um ponto fora de nossa trajetória?
Em parte é, sem dúvida, o reflexo de uma experiência pessoal. Mas existe um alinhamento entre o que propõe o "Meu Manual..." e nossa história editorial.
Antes de mais nada porque não fizemos um livro sobre uma "condição médica". As complicações do diabetes - onde reside o seu perigo real - são acionadas pela associação entre predisposições genéticas e fatores ambientais, entre os quais os hábitos e a atitude mental da pessoa. O que determina quais gatilhos genéticos serão acionados ou não - seja para desenvolver uma habilidade (musical, com números) ou para desenvolver uma cardiopatia - são as nossas escolhas e a forma como encaramos a vida. Trabalhar no que gosta, respeitar seus afetos (e desafetos), preservar a sua ideologia, alimentar-se bem e procurar a beleza não estão geneticamente determinados. Fazem parte das aventuras que escolhemos ou não para nosso cotidiano. Mas têm um impacto determinante no acionamento ou não dos nossos gatilhos genéticos para a saúde e a doença.
E o Livro da Tribo tem uma longa trajetória de reflexão sobre estas escolhas e sobre esta maneira de nos posicionarmos no mundo. A poesia, por exemplo, está em quem lê tanto quanto em quem redigiu o poema. Tornar-se poeta, no entanto, é uma questão de coragem para expor-se, para ousar. A poesia é linda mas tornar-se poeta é uma escolha das difíceis (ou inevitáveis).
Nossa intenção, ao escrever o "Meu Manual..." foi focar nesta dimensão íntima e pessoal de quem tem diabetes ou convive pertinho de quem tem. Lembrar que esta pessoa é mais que paciente, é agente de seu presente e de seu futuro. E marcar uma posição: não é possível ser saudável numa perspectiva negativa e vitimizada. Parte da saúde, portanto, está em esculpir uma vida que valha a pena ser vivida. De uma forma...poética!

9.9.11

Mataram Johni


Um punk foi morto na porta de um show por um grupo nazista. Não foi na Áustria, foi em São Paulo. E essa história não vem de hoje.
Aprendemos a respeitar os punks pela coragem de denunciarem as mazelas da cidade: vimos campanhas antifascistas, feministas (foram grupos punk que começaram com o uso do @ para não discriminar sexo, p.ex. em amig@s), contra a discriminação racial e a violência policial. Você pode não gostar da música deles, mas não há dúvida que eles são a expressão mais sofisticada de ação política progressista na periferia das grandes cidades. Além disso, admiramos também os coletivos punks por não endeusarem seus líderes e por buscarem, na aridez de uma cidade como São Paulo, o afeto e a pertença a uma família ampliada que não reproduza os vícios da família burguesa tradicional, alienada do meio em que vive.
E também tem os skinheads. Parte deles sintoniza-se com os punks nos ideais libertários - já estivemos em manifestações em que skinheads anarquistas protegiam a passeata. Infelizmente, tornaram-se mais conhecidos pela sua facção fascista, marcada pela violência e por uma plataforma de direita radical que é o oposto dos punks: agridem pessoas pela cor, por serem nordestinos, têm horror aos homossexuais e as mulheres, bem, as mulheres nunca deveriam ser mais que mães pra eles.
Há uma guerra nem tão surda assim entre punks e skins. Você pode acompanhá-la nos jornais, mas nós a vivemos dentro de casa. A Tribo nunca foi neutra em relação ao território que ocupava. Na década de 90, quando tínhamos uma sede perto do metrô Santa Cruz, em São Paulo, convivemos com vários grupos punks e convidamos um dos coletivos para trabalhar conosco em acabamento gráfico. Foi o que bastou: um grupo de skinheads do bairro considerou a presença dos punks uma provocação e invadiu a nossa sede, pistola em punho, barras de ferro na mão, procurando-os. A reação do pessoal do acabamento - um grupo de mulheres corajosas e difíceis de intimidar - afastou-os. Mas passamos algumas semanas de sobreaviso, vendo-os rondar a área.
Fizemos, então, algo que nos vinte anos da Tribo nunca aconteceu de novo: chamamos a polícia. Identificados, eles se afastaram.
A grande mídia vai sempre apresentar a todos como desordeiros. Punks, carecas, todos iguais: uma unidade feita da insignificância que os atores sociais têm para quem considera notícia a vida privada do Luciano Huck.
Mas esta Tribo sabe: punks e carecas não são a mesma coisa.

5.9.11

QUANDO ENTRAR SETEMBRO (E A BOA NOVA ANDAR NOS CAMPOS...)


A gente aqui na Tribo trabalha por ciclos bem definidos - ou safras, como costumamos chamar. Já escrevemos neste blog sobre a época de leitura dos poemas, um destes momentos marcantes do ano. Saibam, no entanto, que nada se compara a setembro.

Durante 8 meses, todo ano, preparamos a nova edição do livro. Selecionando textos, ilustrando, contatando os autores, ouvindo os leitores para definir as capas. Durante este processo temos apenas vislumbres do que será o resultado final. Vemos uma capa, um texto, mas não o objeto em si. Não aquele cheirinho de livro recém impresso emanando das páginas, a textura nas mãos e o peso em nosso colo. Isto até setembro.

 O conjunto de capas da LES (metalizada) compacta: saindo do forno
 
Em setembro, tudo converge. É em setembro também que os maiores pepinos acontecem: uma ocasião, o caminhão com as capas, vindas do Rio de Janeiro, foi roubado - também trazia medicamentos - com tudo dentro. Após uma rápida avaliação, concluímos que só nos restava o pânico, pois as capas levam meses para ser preparadas, alguns modelos sendo pintados capa a capa. Após uma semana, recebemos o telefonema de um sitiante residente à beira da Rio-São Paulo (nesta época, nosso fone constava da contracapa - não fosse isso ele jamais teria nos localizado). Dizia que viu um caminhão encostar e uns homens jogarem umas caixas na beira da estrada. Curioso, ele foi ver o que era e salvou nossas vidas.

Setembro é assim, um parto. Um arrepio na espinha, um susto e um deslumbramento. 

31.8.11

Pessoas com diabetes - A Tribo

Capa do Meu manual de vida integral com diabetes


Este ano estamos lançando um livro - o Meu Manual de Vida Integral com Diabetes - especialmente para quem vive esta condição ou cuida de alguém com diabetes.
Quem acompanha a Tribo há algum tempo sabe que sempre tivemos um interesse especial nas abordagens de alimentação e saúde que fossem menos compartimentadas e buscassem uma abordagem holística. O que pouca gente sabe é que nós, organizadores do Livro da Tribo - Décio de Mello e Regina Garbellini - temos uma intensa (e longa) convivência com o diabetes.

 Página interna do "Meu Manual..."

    Pois bem: resolvemos, encorajados por amigos e médicos conhecidos, colocar toda esta vivência na forma de um manual que, ao contrário dos livros convencionais sobre o tema, parte da experiência do leitor para ser escrito. Explicamos: o livro dispõe de muita informação prática sobre o dia a dia do diabetes, mas tem uma parte dedicada aos registros do próprio leitor. Estes espaços para anotação, que vão desde resultados de exames até emoções sentidas no diagnóstico, partem do princípio que o diabetes é algo extremamente individual, pois depende dos hábitos e do metabolismo de cada pessoa. O objetivo destes registros objetivos e subjetivos é levar o leitor a refletir sobre como são, para ele, os principais temas relacionados ao diabetes: alimentação, atividade física, autopercepção, humor. Ao final do livro, esperamos, o leitor terá uma visão geral da sua maneira particular - de sua estratégia - para conviver com o diabetes.
O livro inclui uma extensa parte sobre o cuidado com crianças diabéticas, uma área em que a literatura disponível em português é bem escassa.
Aproveitamos para expressar nossas opiniões sobre temas como o papel da indústria farmacêutica e a - às vezes - difícil relação com os médicos. Um livro editado pela Tribo, sob o ponto de vista da pessoa com diabetes, não poderia deixar de abordar estas questões.