Pra quem nâo sabe, Samarone Lima escreve no Jornal do Comércio do Recife. No dia 11 de agosto publicou um artigo intitulado Aprendendo a Equilibrar a Vida, em que conta sua experiência num acampamento de sem-terra perto de Serra Talhada, chamado Poço Serrote.
O relato de Samarone resume a relação do burguês urbano com o país em que vivem os sem-terra. Ele é simpático à causa. Descreve quase com ternura a labuta e as agruras de um senhor de 73 anos, de uma mãe e de sua filhinha. Conta a história do roubo de uma bomba que irrigava a horta das 54 famílias, diz que teve o impulso de dar os 143 reais que custariam comprar uma bomba nova, resistiu, nos diz, e achou que fez bem: o grupo cresceu encontrando sua própria solução.
Não estou aqui para espinafrar Samarone. Ele não é um reacionário. Mas acho importante falar deste olhar condescendente. Desta quase ternura, desta infantilização e senilização (olha-se para a criança terna e para o velho desbrigado). Até mesmo a mulher é vista desta perspectiva de desamparo. São todos frágeis, são coitados, estão ali perdidos naquele mundo de deus.
Eu passo muito tempo nos acampamentos. Nos acampamentos há disciplina, empenho, seriedade, e também há safadeza, sacanagem. Lá dentro tem gente - sem adjetivos. E, cá pra fora, pra esse mundo que lê o JC e vê a Globo, essa gente mete medo: essa gente desabrigada por toda esta outra gente (a burguesia) mete os peitos, invade, pega na foice e peita o jagunço de carabina. Dizer que são desabrigados é negar o caráter intrinsecamente revolucionário de seu movimento, e fazer parecer que esta burguesia os teme apenas por ignorância.
Esta burguesia teme os sem-terra porque eles significam a sua destruição. Ou, no mínimo, a destruição deste sistema de privilégio que vivemos desde as capitanias hereditárias.
16.8.04
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