27.9.04

Manhã de Sol

Quando você sai disposto a se surpreender com o simples, com a cara das pessoas. Um passeio matinal, despretensioso, disponível. Que torne possível um olhar fresco sobre as coisas.
Ver como cada rosto foge do feio/bonito e, ainda assim, transborda impressões. A cara inchada e sonolenta das crianças, a expressão paciente do senhor, o ar ocupado e apressado da jovem com o tailleur. O morador de rua, o policial. Os tipos, os subtextos. Nossos medos e afetos frente a eles.
Mas sobretudo a luz da manhã no rosto das pessoas.

11.9.04

Securas

A Capital de todos os paulistas esturricou esta semana.
Somaram-se os dias mais quentes aos mais secos do ano.
Não é só o arenoso do ar que se respira,
não é só o agulhar do sol no olho da gente.
O clima aqui transcendeu o clima.
Estamos no mais desidradatado iraque e entre os inocentes estraçalhados;
nos assombram iguais o terror da guerra dominadora colonial
e aquele dos fanáticos que contabilizam friamente a morte de suas vítimas.
Pessoas são mortas nesta cidade com um golpe único em suas cabeças,
enquanto dormem.
É tudo muito seco.
E bobeou o Bush ainda se reelege.
(não tem importância,
presta atenção,
está cheio de vida à tua volta!)
o oposto de secura é musicalidade.
musical
é úmido.

6.9.04

Sobre a Morte e a Vida



Tive dificuldades de contar para o Arthur, que está com 3 anos e ainda não sabia nada sobre a morte, que o seu avôzinho tinha ido. No dia em que recebi a notícia, não contei porque viajaria no dia seguinte para o funeral e só retornaria uns 15 dias depois. Fiquei com receio, não sabia qual seria a reação dele. Depois, na volta, estando muito mexido, não tive coragem. A viagem havia incluído compromissos de trabalho e eu só queria estar em casa, onde pudesse chorar em paz. Tive medo de desabar, ao abordar o assunto com ele.
Quase um mês depois, minha companheira e um amigo muito querido me deram ânimo e argumentos irrefutáveis para contar: a criança, não importa qual seja a idade, vai justamente começar elaborar seus conceitos sobre a morte, nessas circunstâncias. A relação do Arthur com meu pai foi muito especial, embora curta. Não contar seria protegê-lo do inevitável, de algo normal.
Naquela mesma noite tive um sonho com o meu pai. Ele abria a porta do quarto onde eu estava e me olhava. Mas os seus olhos lembravam o olhar da minha avó, a mãe do meu pai. Ela tinha sempre um olhar que enganchava as pessoas pela culpa.
É impressionante como na morte de alguém que amamos, algumas culpas aparecem: não ter feito tudo o que gostaríamos com aquela pessoa, conflitos, palavras duras. No meu caso, também, por não ter levado a sério aquela intuição que já vinha martelando. É como se a gente cobrasse uma infalibilidade impossível, nessas horas.
No sonho, eu me levantei e perguntei ao meu pai: - Mas pai, você não morreu? E ele deu um sorriso, apenas. Aquele sorriso bonito que era bem dele. Eu me arrepiei todo (e me arrepio ao escrever). Fui acordado pela minha companheira, por conta do ruído típico de quem está tendo um pesadelo. Fiquei acordado um tempo e o arrepio não passou de imediato...
Me caiu a ficha de que era como se meu pai estivesse dizendo: - Sim, eu morri, conta pro Arthur. Como se ele estivesse pedindo que eu desse um fechamento. Não contar, além de ser uma proteção desnecessária, era também a maneira de não admitir que, realmente, ele tinha ido. De manhã, quando desci para tomar sol com o Arthur, contei-lhe. Disse que o Bogô (Vô Gordo, na sua língua) tinha ficado muito doente e estando bem velhinho, havia morrido. Ele franziu a testa, abaixou a cabecinha e seguiu me ouvindo. De repente, me interrompeu e disse: - Eu não estou mais dodói, não é mesmo?
Disse-lhe que não, que já estava bom (ele teve febre muito alta, na mesma noite em recebi a notícia de que meu pai estava passando mal, mas que parecia não ser muito grave). Depois o Arthur perguntou: - Você está dodói? Eu respondi que não, e que também não estou velhinho.
- A mamãe também não está dodói, afirmou, dando a volta por cima...
Me lembrei da Pri, minha filha, hoje com 20 anos. Quando tinha cerca de 4 anos, um dia me colocou contra a parede: - Pai, é verdade que todo mundo morre um dia? Ao responder que sim, ela foi ficando preocupada e perguntou se um dia iria morrer, também. Confirmei, mas expliquei que normalmente as pessoas morrem quando ficam bem velhinhas. E ela retomou: - você e minha mãe também vão morrer? De novo disse que sim, mas que a gente ainda tinha muito tempo pela frente. Ela então chorou...
Senti que a conversa com o Arthur, repetiu as mesmas dúvidas da Pri. Primeiro o medo da própria morte, depois o medo da morte dos pais. Lembrei-me de que naquela hora, com a Pri, havia em sua dor um pedido para que eu não morresse jovem. Que eu não partisse antes de que ela fosse capaz de ir pro mundo, quando fosse mais suportável encarar a minha morte. E foi também o que senti, com as perguntas do Arthur. Entendi que quando a gente é pequeno - foi assim comigo também - uma das coisas que mais tememos é que nossos pais morram.
Então prometi, há uns 17 anos atrás, que vou me cuidar para não ir antes da velhice. Sei que a gente não tem controle sobre isso, mas é possível se cuidar, amar a vida. Não só pelo filhos, claro, mas também por nós mesmos.
Liguei pra Pri, depois do diálogo com o Arthur, e contei que eu havia renovado, através das perguntas que ele me fez, o meu compromisso em não deixar de gostar de viver. O mesmo compromisso que havia feito movido pelas perguntas dela. Quando desliguei o telefone, consegui terminar de chorar, um choro que não havia saído inteiro, quando fui ver o meu pai pela última vez.
Para o Arthur, disse ainda que, agora, a gente só vai poder lembrar do Bogô. Quando tivermos saudades veremos as suas fotos e o lembraremos com amor...
Ilou

4.9.04

No Such Thing as a Winnable War

Estivemos falando (Gastón e Jorge estiveram) sobre barbárie, estupidez, violência. Chechenos e russos estrapolam, com 350 mortos, a maior parte crianças.
In Europe and America, there's a growing feeling of hysteria.Conditioned to respond to all the threats
Para nós, que somos pais, a brutalidade é impensável. Atirar em crianças, quem conseguiria? E porquê? Clovis Rossi, da Folha, lembra Ernesto Sábato: os adultos são sempre culpados de alguma coisa, mas as crianças, que culpa podem ter as crianças?
Mr. Krushchev said "we will bury you".
I don't subscribe to this point of view.
It would be such an ignorant thing to do,
If the Russian love their children too
Mas isso é para nós, que somos pais. Para os amantes, a brutalidade é a morte do amado. O nome do comando que executou a ação na Rússia era Viúvas Negras: era composto por mulheres que perderam seus companheiros para a repressão russa.
We share the same biology.
Regardless of ideology.
E, assim, a replicação da dor se faz. As viúvas matam os filhos dos responsáveis. As crianças, desde sempre, aliás, passam a ter parte na culpa.
There's no such thing as a winnable war.
It's a lie we don't believe anymore.
Mr. Reagan says "we will protect you"
I don't subscribe to this point of view.
São alvejadas no Iraque, na Palestina, em Israel, no Afeganistão, em Oklahoma City. Servem para os adultos demonstrarem que estão dispostos a tudo. Reunem-se os antigos inimigos - China, EUA, Rússia - para nivelarem-se na equânime disposição de massacrar preventivamente. Como se o terror não tivesse raiz na dor.
We share the same biology,
Regardless of ideology.
What might save us me and you,
Is that the Russians love their children too.
E, no final, Sting tinha razão: o que pode nos salvar a todos é que, no meio disso tudo,
os russos
os chechenos
amam suas crianças
e seus companheiros
também